quinta-feira, 8 de abril de 2010

Crônicas da Crente - O dia que a crente foi julgada do portão.

Era uma tarde ensolarada de verão na década de 90, o AUGE do axé music. O frenesi causado pela música de ritmo baiano era tanto que até a crente gostosa, lá pelos seus 13 anos, deixou-se levar pela malemolência nordestina do requebrado ritmado. A crente foi até a casa de sua vizinha Jéssica conversar essas conversinhas típicas de adolescentes quando Jéssica interrompe a conversa e diz "crente gostosa, você precisa ouvir essa música". Pegou o CD do TCHAKABUM e colocou no seu Philco-Hitashi e logo começou a tocar "EXPLOSÃO TCHAKABUM TOMA CONTA DO VERÃO". Jéssica ficou toda rebolativa e logo pegou a crente gostosa pela mão e disse "imita meus passos". A crente no começo ficou meio encabulada mas quando se deu conta estava em polvorosa¹ descendo até o chão toda se requebrando.

O tio da crente passava pela rua e ouviu aquela música pecaminosa. Olhou diretamente para dentro do portão de Jéssica e viu sua sobrinha sendo corrompida pelo ritmo baiano. Postou-se no portão e começou a esbravejar com tanta ferocidade que mal dava para compreender suas palavras. A crente, lá de dentro, só ouviu um monte de grunhido e os dizeres "SEU NOME PODE ESTAR SENDO RISCADO DO LIVRO DA VIDA NESSE INSTANTE, DEUS ESTAVA VENDO TUDO O QUE ELA FAZIA E QUE ELE NÃO ESTAVA NADA FELIZ COM ISSO". Seu dedo balançava acusadoramente em direção à crente gostosa, a esta altura já com a saia de veludo marrom comprida enrolada na altura da coxa.

Sua alegria foi se esvaindo. A crente agora entrava no profundo desespero cristão de quem havia cometido um pecado moral. Desenrolou a saia e voltou pra casa sob o olhar desaprovador de Deus e de seu tio. Chegou em casa e trancou-se em seu quaro. pegou sua bíblia com capa camuflada e pôs-se a orar fervorosamente enquanto pedia misericórdia pelos seus atos.




¹- Nota da autora: Não sei usar essa expressão direito, mas eu arrisco.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Quando a crente foi se purificar nas águas do litoral - DIA 1

Acordou no dia seguinte decidida a lavar suas lágrimas nas águas salgadas do oceano Atlântico. Pegou sua mala roxa com uma baleia estampada, totalmente suja de reboco da reforma do seu quartinho, colocou dentro uma saia marrom, uma preta e uma jeans, todas até o pé sendo as duas primeiras de veludo, sua blusinha cavada nas costas, uma regata com estampa camuflada escrito "exército de Jesus" e uma branca com detalhes em crochê e um golfinho estampado. Pegou seu maiô preto, um protetor solar (fé em Deus é necessário, mas é bom nunca dar mole para o câncer), vestiu sua sandalinha rasteira, pegou o dinheiro guardado debaixo do colchão Castor e foi para a rodoviária. Comprou uma passagem da Viação Litorânea com destino à São Sebastião e foi decidida comer alguma coisa na deliciosa e super higiênica praça de alimentação da rodoviária.

Dormiu o caminho inteiro da viagem, cerca de 4 horas. Desceu no meio do caminho e se embocou numa vielinha onde ela havia visto os dizeres "POUSADA CRISTÃ DEUS É PAI - AMBIENTE FAMILIAR" e se hospedou por duas noites. Seria o suficiente.

No dia seguinte, acordou cedo, vestiu seu maiô e foi curtir a calmaria da praia. Sentiu-se envolvida pela paz marítima e decidiu entrar no mar. Como uma deusa, mergulhou no oceano. O mar gelado parecia esfriar suas idéias. De repente, sentiu uma necessidade absurda e incontrolável de fazer um desejo, fosse pra Iemanjá, pra Jeová ou para a pequena Sereia. Emergiu, respirou fundo, submergiu e fez seu pedido: "que as coisas fossem boas daquele ponto em diante". Com um sentimento de missão cumprida, emergiu novamente e tentou sair do mar. Eu disse tentou. Quando estava na beira, caminhando altiva e poderosa, absoluta nas areias quentes, uma onda forte a acertou nos joelhos e a fez cair no chão como uma jaca. Rolando como uma salsicha, a crente foi arrastada cerca de 5 metros para frente e logo em seguida 5 metros para dentro do mar. Nadando contra a força da natureza, mal consegui se por em pé e outra onda a atingiu nas costas. Foi arrastada para a orla novamente e por misericórdia divina, conseguiu se arrastar para longe do mar revolto.

Com um ar de derrota, água nos ouvidos, as costas em brasa pelo ralar na areia, voltou para a pousada de ambiente familiar e se atirou na cama. Não se daria por vencida, ainda brilharia no litoral.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O dia que a crente sofreu à noite

Ela acordou 24 horas depois, estava deitada completamente despida - tanto de roupas como de dignidade - em sua cama branca de ferro. Alguma coisa latejava em sua cabeça, talvez fosse a paulada que tomou na igreja para que desmaiasse e tivesse seu demônio exorcizado. Levantou-se, enrolou-se em seu hobby de veludo marrom (ela adorava vestimentas de veludo marrom), colocou seu hino de louvor preferido para tocar no rádio e clamou pela misericórdia de sua alma. E chorou. Chorou por pena de si, por vergonha de seus atos libidinosos na igreja, por seu crente gostoso ter visto seu estado pecaminoso. Chorou lágrimas de humilhação.
Sentiu um vazio enorme. Um vazio existencial que só poderia ser preenchido por uma coisa: COMIDA.
Foi, em meio à lágrimas sofridas, até a cozinha. Abriu a geladeira e nada alí havia além de uma singela e humilde panela cheia de couve refogada gelada.
Pegou a panela, pegou um garfo, sentou-se no chão junto à pia, encolhida em sua misericórdia, e comeu a couve refogada gelada, tão gelada como sua alma. Entre lágrimas de humilhação e vergonha e garfadas de couve, adormeceu com um único fiapo do vegetal escorregando perante seus lábios que há poucas horas proferia injúrias e ofensas.