terça-feira, 1 de março de 2011

A Crente vai ao Forró [parte 1]

Era dez e quarenta e sete no reloginho de pulso da crente. Estava sentada na mureta da faculdade, comendo seu habitual pão com margarina, que sempre levava na bolsa. Ao mesmo tempo pensava se ia ou não na "festa" com sua amiga nova de faculdade, a Francisleide. Francisleide era o sonho de todos os garotos de seu bairro. Tinha o cabelo cacheado, na altura do ombro, era loira, tinha um corpo bonito e sempre usava roupas provocantes. De longe, a Crente podia avistá-la. Estava vestindo um top da bandeira do Brasil, uma calça com estampa de jornal, uma bota de psy e tinha um piercing no umbigo. A Crente, secretamente, queria ser como ela. Queria estar na 'moda', ser desejada pelos garotos. Neste momento, olhou pra si mesma e si viu com sua saia de veludo marrom, sua blusinha camuflada - com os dizeres "exército de deus", sua bolsinha estilo mochilinha de couro, e seu all star preto básico de cano baixo, com uma meinha sem vergonha do piu piu, comprada no largo da concórdia. Se sentiu triste. Em outras ocasiões, ela teria se sentido bonita, mesmo vestida daquela forma. Mas em contraste com a aparência da Francisleide, ela se sentia feia. Mais que depressa, a Crente entoou uma oração baixinho. Pediu para que Deus afastasse aqueles pensamentos satânicos de sua cabeça, pois ela era linda por dentro, e isso ninguém poderia negar. Deu a ultima mordida no seu pão com margarina e saiu em direção à Francisleide. A Crente iria à festa. Sentiu um chamado de Deus. Ela salvaria vidas naquela noite. E não havia lugar melhor para isso do que num Forró Risca Faca, onde mulheres mundanas estavam sedentas por deus em suas vidas. Onde homens sonhavam em largar a promiscuidade e viver em comunhão com a fé. Era o que a Crente achava...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A vaidade da Crente

Era uma terça feira calorenta. A Crente se arrumava para ir á faculdade. Marcava 17h23 no seu reloginho de pulso com pulseira de smile metalizado. Ainda tinha tempo, e ela estava se sentindo bonita naquele dia. Olhou seu reflexo no espelho, jogou as madeixas que cobriam o seu rosto para trás e viu uma mulher diferente. Uma mulher (reprimiu esse pensamento) sensual. Um calor apoderou-se sobre seu corpo. Ela estava excitada, mas ela sabia que isso era contra as doutrinas de sua igreja. Sentiu vergonha de si mesma nesse momento e rapidamente murmurou uma oração à Deus. Pediu proteção da libertinagem deste mundo, declarou em alta voz que não gostaria de ser como Jezabel - A MULHER MUNDANA. Ela queria mesmo ser como NOEMI, mulher ungida. Afastou certos pensamentos da cabeça e se pôs a pentear seus longos cabelos, que caíam lhe sobre as costas. Ainda estava meio molhado, então resolveu pegar seu secador da Britania na gaveta do banheiro. Ali jogado, ela viu um batom, Um batom da Elke, com a embalagem verde. Se sentiu tentada á pintar a sua face. Mas lembrou-se que a modificação corporal não era bem vista aos olhos de sua fé. Mas o batom estava ali, olhando pra ela. Pedindo para tocar seus lábios, assim como um amante que clama pela virgem. Ela repensou e deicidiu passar apenas no lábio superior, apenas para dar um ar de "saúde". E assim fez, porém ela não gostou do resultado e se sentiu tentada à passar TAMBÉM no lábio superior. Sabia que Deus estava lhe olhando neste momento, sentiu vergonha. Mas não tinha vontade de voltar atrás. Por alguns instantes ela se sentiu uma "menina do mundo". Nada diferenciava ela da vagabunda filha do seu Zé. Aquele batom a corrompera. Luxúria em tons de vermelho paixão. Ela chorou. Sentou sobre o vaso sanitário com roupinha de crochê e chorou. Lágrimas de vergonha e humilhação cobriam todo o seu rosto. Se sentiu iludida, se sentiu uma pecadora com aqueles lábios vermelhos. Vermelho era a cor da paixão. Desenganada da vida, saiu do banheiro e deitou na sua cama de ferro branco do conjunto Bartira Casas Bahia, abraçou seu coração de pelúcia com os dizeres "I Love You" e se encolheu. Se resumiu à misericórdia de Deus. Pediu perdão pelo pecado que cometera. Acima de sua cabeça, pregado nas paredes do quarto, tinha posteres da Cassiane, Noemi Nonato e Aline Barros. Essas sim, eram verdadeiras servas de Deus. Essas sim, jamais pintariam seus lábios com a cor da luxúria. Se sentiu ainda mais envergonhada ao pensar nisso e chorou ainda mais. Chorava calada. Apenas lágrimas grossas e quentes escorriam de seus olhos. Até que por fim dormiu. Dormiu sob o silêncio de seu sofrimento e da misericórdia de Deus.

Não fora á faculdade.